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QUEBREI O ESPELHO ... O BLOG SE DESPEDE


Por semanas seguidas, depois da mudança definitiva, eu tive pesadelos. Em vários momentos, acordava, durante a madrugada, acreditando que teria que fazer as malas novamente e abraçar o passado que me sorria irônico “eu avisei que não daria certo”. Era comum levantar, meio sonâmbula, e começar a enfiar roupas na mala e desespero no coração. No entanto, a luz das precoces manhãs deste lugar logo esvaziava as minhas sombras de qualquer significado maior. Os meus medos não encontram mais a quem dar as mãos, insustentáveis, eles despencaram pelo abismo com o qual flertei por quase dois anos. E quando meus pés afundam na areia e encontram o fluxo vital do mar é que eu me sinto longe, muito distante e protegida das margens daquele precipício devastador. Tudo aquilo ficou apenas nas margens, varrido para sempre para fora do meu caminho.



A vida neste lugar é muito tranquila, talvez seja por isso que custei a acreditar. E, sem idealizações (já que ser humano é circunscrito as suas limitações em qualquer lugar), sinto uma energia muito positiva que emana de uma intensa vontade de viver. Eis a grande diferença: aqui a vontade de ser feliz supera a necessidade de competir. A propensão à alegria coloca todos os problemas no seu devido lugar e nada tem tamanho maior do que merece ter . As cores saltam vibrantes de todos os lugares, os sorrisos brotam fáceis e a paisagem...ah a paisagem! Ela nos diz todos os dias que precisamos de bem menos para ser feliz: um passeio de bicicleta na praia, um sorvete de mangaba, um mergulho no Velho Chico, caranguejos com amigos, uma rede, um bom livro. Tudo isso tem um sabor incomparável, sabor de superação.

Mas foi uma batalha titânica para chegar até aqui. Uma luta desdobrada. Se por um lado tinha que me desvencilhar dos dedos que apertavam a garganta por outro precisava vencer meus próprios fantasmas que insistiam em me desacreditar nos dias de sol, nos sorrisos desinteressados, na alegria gratuita dessa gente. Ainda não sei qual inimigo é o pior: aquele que nos mostra a face irascível e a capacidade inumana de fazer o mal ou aquele que, sorrateiro, se esconde dentro da gente e obriga a inteligência a trabalhar em função de sua visão disforme e monstruosa do mundo. Talvez seja este a extensão daquele. Talvez. Mas isso não importa mais. Estão ambos vencidos, consumidos, desintegrados para mim.

Acredito que por me sentir assim, tão imune a todo esse veneno, que não me identifiquei mais no ESPELHO SUBJETIVO. Ele já não reflete mais meu estado de espírito, não traduz mais os meus anseios. Embora extremamente transparente, ele é melancólico, dolorido, sorumbático. Eu estou em reconstrução, não quero mais ruínas. Como diz o poeta, preciso somente dos olhos verdes da esperança.

A ideia do blog veio depois de uma conversa com a minha psicóloga. Eu precisava compreender a dimensão exata do que sentia, então ela sugeriu que eu escrevesse. Não, ela falou em diário, eu é que optei pela versão web. Também fiz outras opções como a de escolher entre os medicamentos ou meus neurônios, entre domar as crises à unha ou viver anestesiada e mumificada, entre ficar ou partir... inúmeras decisões... algumas acertadas, outras nem tanto, umas precipitadas outras atrasadas...todas com consequências. O ESPELHO foi fundamental para minha travessia, mas agora já não cabe mais no mapa. Assim como eu, ele irá se transmutar. Uma face nova para uma vida nova. PRECISO DE NOVOS ESPELHOS...

ELE SORRIU...ELE MORREU... E EU ME DESPEÇO

Não sou o tipo de pessoa que acredita em poder do destino, forças ocultas, lances de sorte e as demais variações do leque da superstição . Mas há alguns fatos que convergem em tempo e espaço paralelos e que nos permitem interpretá-los de modo mais transcendente. Acho que é isso que aconteceu comigo. É isso que vou contar.
O GAROTO
Há algumas semanas, minha mãe que é enfermeira em um grande hospital aqui da cidade vem me relatando o caso de um garoto enfermo, que se encontra sob seus cuidados. O menino tem uns 12 anos de idade e um câncer... em estado terminal. Por não ter sido diagnosticado a tempo, a doença se alastrou à vários órgãos, portanto, não há mais panacéia milagrosa que o consiga resgatar da tortura de sentir seu corpo se deteriorando e apodrecendo aos poucos, a vida se esvaindo a conta-gotas. O espetáculo da vulnerabilidade humana em toda a sua grandiosidade tem sido assistido, diariamente, tanto pela família como pela equipe médica que o atende. Isso não é incomum para minha mãe, que lida com os subprodutos da morte há, pelo menos, 30 anos. Contudo não é natural, sobretudo, em se tratando de uma vida tão incipiente.
Assim, por sucessivos dias, continuei a ouvi-la narrar a humilhação que sentia diante da impotência médica em poder suavizar aquele sofrimento. O garoto soltava gritos lancinantes , contorcia-se na cama, agarrando os lençóis com as unhas e mordendo o travesseiro de dor. Implorava por remédio, no caso, morfina. Ocorre que, para um corpo infantil e já bastante debilitado as doses de morfina devem ser muito bem equilibradas para que o antídoto não se transforme em veneno e o garoto acabe morrendo por excesso do medicamento. Os médicos aumentavam a quantidade de morfina, sutilmente, todos os dias e a minha mãe temia. Temia que poderia ser ela a portadora da injeção letal. O anjo da morte. Eu que sempre escuto esses relatos da minha mãe com certo distanciamento, para me proteger mesmo, senti uma certa comoção pelo trauma. Pensei em como eram irônicas essas forças irascíveis da natureza que debocham das nossas pretensões arrogantes de controle de tudo.
O CORAL
Na mesma semana, com a intenção de praticar algum exercício, saí numa manhã iluminada em direção a um dos parques da cidade. No caminho, estava a minha velha escola. O colégio mais antigo e tradicional da localidade. São três quarteirões inteiros de espaço interno, muitas árvores, grandes campos, quadras, teatro e o o perfume inconfundível dos eucaliptos. Ali estudei durante alguns anos e logo depois de formada, lecionei literatura por mais três. A memória não tardou a convocar a nostalgia e, em instantes, eu revivia os momentos bons vividos naquele espaço.
Entretanto, o que me capturou mesmo o olhar foi a linda, embora modesta, decoração natalina e a faixa, amarrada junto à entrada, anunciando o ínicio da atividade do coral de natal. O velho coral ainda existia! Em detrimento dos espetáculos natalinos caros, shows pirotécnicos, papai-noel paraquedista e toneladas de iluminação, essa escola (particular) opta por uma comemoração discreta, sem estardalhaços comerciais: o pequeno coral itinerante. Um grupo de professores e alunos ensaiam durante todo ano, sob o comando do velho mestre César, as músicas que serão lindamente cantadas nos hospitais da cidade e no lar dos idosos. O restante das turmas(os que não cantavam nada como eu) se encarregavam de preparar as lembrancinhas que seriam entregues pelos visitantes: bombons, balas e cartinhas de feliz natal feitas e decoradas por nós mesmos. Senti uma enorme vontade de ouvir o coral novamente.
A vontade foi sendo atropelada pela urgência, continuei a caminhada e tratei de me concentrar nos preparativos de mais uma mudança de cidade. Isso em menos de seis meses.
OS ÓCULOS
As vésperas da minha viagem, arrumando as malas, selecionando aquilo que eu poderia levar e o que deveria deixar (não aguento mais deixar minhas coisas pra trás), pensando nos míseros 23 quilos de tolerância no peso da bagagem, deixando roupas para poder levar mais livros, quando toca o celular. Era a minha mãe do hospital. Esqueceu os óculos, precisava que os levasse para ela, do contrário não poderia trabalhar.
Não foi sem certo aborrecimento que larguei aquela bagunça para atender ao pedido materno. Afinal, é um pedido materno. E mãe é...mãe, não é? Entrei no hospital já com os óculos na mão, conhecendo o caminho, avisei a recepcionista que eu mesma encontraria a enfermeira que era minha mãe. Dobrei um corredor à direita, outro à esquerda. Por que os hospitais parecem labirintos? Ao chegar ao segundo pavimento já conseguia ouvir o som. Uns passos à frente, distinguia a melodia inconfundível. ERA O CORAL DA ESCOLA. Precipitei-me na direção da música, quase nem vi a minha mãe que já vinha em minha direção, seguida pelo grupo dos cantores. Depois de uma apresentação única no salão de brinquedos, eles passariam agora nos quartos dos enfermos que não têm mobilidade ou condições de sair de suas camas.
Em segundos, entreguei os óculos para minha mãe e cumprimentei o mestre César que ainda se lembrava de mim. Estávamos em frente à porta 304. O grupo do coral, impecavelmente paramentado, os músicos, as flautas, o violino... que lembrança aconchegante! Antes de o grupo adentrar o 304, minha mãe explicou a César a gravidade da situação do paciente. Era o garoto, com câncer, em estado vegetativo. Louca de vontade de ver a apresentação, nem hesitei em entrar junto com o grupo no quarto...
A INCIDÊNCIA DOS TEMPOS
Um ambiente mórbido, sem dúvidas, era o quarto do garoto. Sua mãe nos recebeu sem muita empolgação, naquele estado de incredulidade e fúria que ficam os seres humanos diante do inexorável, o imponderável da vida. Na cama, um corpinho mofino, pálido, encolhido por entre os lençóis. Uma dor indescrítivel se desenhava no contorno de sua boca e no apagado brilho dos seus olhos.
Cheguei a pensar que aquilo não daria certo. Mas o grupo não oscilou, em pouco tempo, a música invadia o ambiente e expulsava a sombra da morte que ali pairava. Um canto limpo e sincero, saído direto da alma. Outros contornos começaram a se desenhar na pequena face lúgubre... em instantes...um pequeno e pálido sorriso se esboçou. Logo, se transformou em um sorriso guerreiro, sobrevivente à dor. Quando lhe entregaram a pequena cesta de chocolates, o brilho reapareceu em seus olhos e a risada respondeu aos gracejos de um dos participantes do coral.
Eu fazia um esforço brutal para segurar minhas lágrimas. Percebi que quase todos no quarto estavam no mesmo desafio. Ele sorriu para os chocolates, segurou-os entre os dedos magros, como um presente divino, mesmo sabendo que nunca mais poderia comê-los. Ele tinha câncer... no esôfago... já dispunha de alimentação parenteral.
Sai imediatamente do quarto, antes de todos, minha mãe veio logo atrás. Já no corredor, não pudemos conter o choro convulso. Choramos por ele. Choramos por nós, pelas dores dele, pela nossa despedida, pela nossa infinita solidão. Uma verdadeira catarse diante do espetáculo de vida e morte.
Jhonathan veio a falecer nessa mesma madrugada. Aquele fora realmente o derradeiro sorriso, com o qual se libertou dos grilhões da vida e da dor. Quanto a mim, Jhonathan, levo seu sorriso como amuleto para a minha nova jornada. Aquele instante em que o passado, o presente e o futuro convergiram a a partir de seu sorriso ficará para sempre confiscado em minha memória. Assim me despeço...

A ÁRVORE DA VIDA: REFLEXÕES METAFÍSICAS


O filme A árvore da vida (2011) do diretor Terrence Malick organiza uma reflexão cosmogônica centrada na alegoria religiosa homônima que corresponde à “árvore do conhecimento” cujos frutos foram proibidos de ser consumidos pelo homem, na narrativa bíblica do gênesis. O filme é aparentemente irregular, descontínuo, optando pela não-linearidade temporal e prescindindo de conexões lógicas de causalidade. Sua apresentação é organizada em uma estrutura poética, cujas relações entre os fatos são captadas de forma estética, por meio de associações imagéticas, rítmicas, sonoras, e conceituais, mas sem afirmações diretas e rigores silogísticos. Devido a essa estrutura não-convencional, o filme recebeu a Palma de Ouro em Cannes (2011), mas foi rejeitado por grande parte do público.

A obra de Malick pode ser apreendida em três momentos aparentemente autônomos, mas que se relacionam numa cosmogonia totalizadora. Trata-se, num primeiro momento, do resgate memorialístico de Jack, filho mais velho dos O’Brien, uma família americana típica dos anos 50. Confrontado pela morte do irmão mais novo, Jack adulto mergulha no passado, no universo das tensões familiares, buscando compreender como assimilara os valores conflitantes do pai e da mãe. Jack mantinha uma relação ambígua no limiar do amor e do ódio com o pai, de quem dependia mas cuja aspereza o exortava. Os ensinamentos do pai, em confronto com os a mãe, ensinavam ao garoto o valor da força, da esperteza e da determinação. Pode-se dizer que o leque valorativo do pai corresponde aos valores humanísticos e individualistas que gozam de amplo prestígio e são o fundamento da sociedade norte-americana. O livre-arbítrio, o poder das escolhas, a força do indivíduo em detrimento do coletivo são o baluarte da visão de mundo que o pai se esforça para repassar a Jack. Já a mãe tenta lhe ensinar o caminho da Graça, das forças supra-individuais, da solidariedade, da caridade e da bondade, em suma, os valores religiosos.


Paralelo às indagações de Jack, Malick intercala belíssimas imagens da origem do mundo segundo a teoria do Big-Bang. A gesta do universo desde a grande explosão, passando pela formação das galáxias e a evolução das espécies é acompanhada de imagens poéticas e música sacra (“Lacrimosa 2” de Zbigniew Preisner que é um lamento pela perdição do homem e uma oração pedindo misericórdia.) As temporalidades do cosmos e da memória de Jack são, então, convergidas para um ponto comum: um tempo-zero, uma espécie de apocalipse em que o protagonista adulto encontra o protagonista criança, pai, mãe e irmão morto são todos reencontrados num espaço em que não se distingue passado, presente e futuro, uma quarta dimensão. Tal dimensão pode remeter tanto para o depois da morte quanto para antes de tudo, é o conhecimento divino, sublime da árvore da vida, é a máquina do mundo aberta.

ENTRE BRUXOS, VAMPIROS E SÁDICOS, SEGUIMOS COMENDO BEST-SELLER E LENDO FAST-FOOD


CONFESSO: Comprei e li “50 tons de cinza” no aeroporto do Rio, esperando conexão para Aracaju. Depois de dias a fio dissecando a enfadonha Teoria Literária, decidi que descansaria lendo qualquer coisa “não séria”. Passei em frente à livraria e vi as duas vitrines apinhadas com os dois volumes da trilogia cinza. Lembrei-me de uma colega da Universidade que comentara se tratar de um romance erótico que já havia vendido zilhões. Bem o que eu precisava para me desafogar da ranzinzice- teórica- acadêmica- empata-tesão! Comprei meio constrangida, escondi o volumão na bolsa e procurei um canto meio obscuro e isolado do aeroporto para iniciar a tal leitura pornográfica. RESULTADO: foi mais frustrante que ejaculação precoce. A linguagem, como era de se esperar, paupérrima, com a repetição exaustiva e irritante de algumas expressões “sexo baunilha”, “muita areia pro meu caminhão”. No lugar da perversão esperada, um romancezinho açucarado entre uma semi-adolescente, estudante de literatura, e que, por isso mesmo, deveria ter mais imaginação e um jovem empresário rico, paranoico por controle, e que, previsivelmente, só obtém prazer por meio do exercício de poder total sobre a parceira. Em resumo, a relação entre um sádico e uma semi-analfabeta em desejo que não conhece o próprio corpo de modo que qualquer toque já é uma descoberta.
Tive a impressão de que 50 TONS DE CINZA faz parte de uma saga maior: é a continuação de um projeto de esvaziamento crítico e intelectual de uma geração que cresceu lendo trilogias best-sellers e comendo fast-food. Ou seria comendo best-seller e lendo fast food? É fácil imaginar as fãs de 50 TONS como as mesmas que cresceram com o maniqueísta Harry Potter, já na adolescência se apaixonaram pelo romântico vampirinho de Crepúsculo, agora descobrem o prazer adulto com o excêntrico Christian Gray. Bruxos, vampiros e sádicos compõem o quadro de formação literária dessa geração. E antes que me atirem algum volume desses na cabeça, quero dizer que também gosto de fast-food. Adoro cheese burguer, batata frita e refrigerante, mas sei que meu corpo precisa mais. Sei também que quando abuso desses alimentos é natural que o organismo passe a querer consumi-los cada vez mais. É sabido que o mundo todo teve seus paladares padronizados pelo fast-food e a inteligência uniformizada pelas trilogias (50 TONS comprova isso mais uma vez). Não há nada de errado em comer batata frita nem em ler 50 tons de cinza. O problema é imaginar que tudo deva ser semelhante a isso e que tanto corpo como mente se sustentarão com apenas um filão das possibilidades existentes. Isso é errado e acontece.
Como professora de literatura sei o quanto é desgastante ter que convencer adolescentes e jovens que uma leitura clássica assim como uma salada podem não ter gosto de hamburguer e Harry Potter mas são muito saudáveis e nutritivas para corpos e mentes. É desolador levantar a bandeira da necessidade de refinamento do paladar e da leitura, principalmente, quando existe um bando de “pseudo-especialistas” de revista Veja afirmando que qualquer leitura é válida. Perdoem a analogia barata, mas se qualquer leitura é valida então qualquer comida alimenta. Vivamos, assim, de best-seller e fast-food.
Quanto a minha tentativa de leitura erótica, descobri que, pelo menos dentro da minha órbita, o que não me excita o intelecto, também não excita o corpo. Infelizmente.

EU QUIS NÃO ESTAR MORTA HÁ UM ANO PARA ESTAR AQUI HOJE



Mas eu estava. Completamente morta sobre uma cama de hospital. Rasgada em mil pedaços. Isso não é uma novidade para ninguém. A questão é que durante todo esse período muito se falou a respeito do ocorrido, cada um se apropriou do fato a sua maneira e elaborou os juízos que julgou pertinentes. O meu objetivo aqui hoje é único: A VOZ AGORA É MINHA. Sinto-me no direito de dar a minha voz a minha própria história. Isso para que eu possa fechar esse ciclo de uma vez por todas e jogar a chave fora.
Muita gente, sobretudo hoje, preferiria que eu estivesse morta. Mas não se preocupem. Procurar culpados e execrá-los, puni-los exemplarmente é uma estratégia de vocês, não minha. Eu prefiro refletir de modo conjunto e tentar inventariar os fatores podem levar uma pessoa a buscar a própria morte e outras a exercerem o poder de modo irresponsável e brutal.
A grande questão minha, no fundo, foi sempre com as PALAVRAS. Cresci em um lar humilde mas que me deu a oportunidade de ser um ser pensante e de me expressar, de questionar e de entender o funcionamento das linhas de força do mundo. Meus pais nunca foram autoritários mas sempre tiveram autoridade. Nunca tentaram abafar a minha voz e eu cresci muito livre nesse sentido. Sem irmãos e com muitos livros, logo me fiz amiga das palavras. Gostava de ler, escrever e expor os meus pensamentos. Escrevi dois livros na quarta série e todos esses autores que nossos alunos morrem para ler, eu já os conhecia antes do ensino médio. Digo isso para ressaltar as razões pelas quais eu segui a carreira das Letras e com muito orgulho permaneço e me aprofundo nela até hoje. Também para compreender porque quase morri quando tive que engolir uma a uma das minhas palavras e enterrar meu senso crítico em nome da sobrevivência. Adoeci profundamente e quase apodreci.
Tudo isso porque um dia resolvi colocar as minhas coisas num carro, abandonar a cidade em que cresci, e tentar outras oportunidades. Eu tinha um mestrado quase na mão e muitas ideias na cabeça. Acreditava nas pessoas e mim mesma. E essa virada me trouxe muitas coisas boas: conheci pessoas ímpares e reencontrei o amor. Um amor que amava as palavras, que vivia delas como eu. Era a união perfeita, alguém que me entenderia como nunca. Disse-lhe que não me importava com erros passados, não sou hipócrita e odeio moralismo. Ele era livre (me certifiquei disso) e eu também. Reunimos nossos sonhos e fomos tentar ser felizes. E fomos. Mas vampiros sempre existem. A princípio tentei ignorá-la. Mas o jogo começou a ficar baixo e aí percebi o quanto a maternidade pode ser cruel e sórdida quando se vale do sequestro emocional como arma para garantir seus próprios interesses. Sou mulher e posso dizer: as mulheres podem ser os piores seres do universo quando manipulam a natureza a favor de si mesmas. É jogo sujo. Contraí uma dívida: queriam me obrigar a devolver aquilo que nunca tiveram, e pior: que eu não tinha também. Mas eu amava e tive que engolir muitas palavras em nome desse amor. Ele me pedia paciência e dizia que o fim era uma questão de tempo. Mas eu adoecia.
Como não bastasse ser alvo de perseguições gratuitas, ter meus colegas chantageados para que não se aproximassem de mim, eu via demonstrações boçais de poder por todo lado. Tentei fugir várias vezes mas me dei conta de que estava amarrada: ou eu ou quem eu amava. Engoli mais palavras e muitas injúrias. O pior é que eu já não produzia nada, tudo esbarrava numa má vontade absurda e eu passei a desacreditar em mim. Jogava o jogo sujo e havia me tornado tão abjeta quanto tudo aquilo que eu criticava.POR ISSO NÃO CONDENO NINGUÉM. Mas o que mais me arrasava é ver o sofrimento de quem eu amava, eu me machucava muito quando o via cruzar a porta de casa totalmente DERROTADO. Colecionei relatos absurdos que poderiam compor um livro de Edgar Allan Poe.
Desenvolvi Síndrome do Pânico. Uma doença terrível que te põe de cara com a insanidade. Eu definhava a olhos vistos e aos olhares regozijantes de alguns. Vampirizada por parasitas, eu me arrastava e chafurdava na lama.
E no dia 13 de setembro do ano passado veio o golpe de misericórdia. Alguém me chamou e disse que eu estava MORTA. Assim, com todas as letras: V-O-C-Ê E-S-T-Á M-O-R-T-A. É muito cruel dizer para alguém que já morreu que esse alguém está morto. É como chutar cachorro morto. E a maldade não está na gratuidade do ato mas no fato de o cadáver não poder mais reagir. Fui para casa, olhei-me no espelho e constatei a obviedade da notícia. Eu não só estava morta como já apodrecia. Sentia náuseas profundas ao ver meu rosto desfigurado. Eu havia me tornado um espelho de tudo aquilo mais execrava: conivente com injustiças, alheia a mentira, brutalmente emburrecida, uma mercadoria barata, medíocre. Resolvi que tinha que acabar de uma vez com aquilo. Foi assim que me feri por fora para amenizar o que sentia por dentro. Como foi aliviante ver escorrer sobre a pele tudo aquilo que estava sufocado dentro de mim há pelo menos quatro anos.
Mas eu acordei. Já estava num pronto socorro sendo costurada como um pano de chão. Era meu aniversário. ERA 14 DE SETEMBRO DE 2011. O maior desespero é saber que o fim não é o fim mas uma continuação do inferno. Quando olhei melhor, vi os olhos do meu amor sobre mim. Ele chorava e sofria muito. Eu sofria também porque nunca quis que ele chorasse. Mas eu não tinha mais forças. Então ele me abraçou e disse que o pesadelo havia terminado. Que eu não passaria mais por aquilo e que nossa liberdade estava há um passo. Confesso que fiquei cética por um tempo.
As feridas externas cicatrizaram, as internas ainda doem. Mas nada melhor do que morrer para nascer outra e voltar a sonhar. Neste ano, a ruptura total com a opressão, com o desmando, com o podre poder aconteceu. O amor triunfou. Choro ao escrever isso. Mas liberdade também é uma coisa que se aprende. Minhas palavras hoje fluem com leveza e não mais se escondem. Sinto-me leve e muito livre. Vocês podem me chamar de romântica, mas eu digo: NÃO HÁ DINHEIRO NESSE MUNDO QUE PAGUE A LIBERDADE, A PAZ DE DEITAR A CABEÇA AO TRAVESSEIRO E SONHAR. Pode parecer clichê, mas quem disse que os clichês são mentirosos?
O que fica de tudo isso? O que quero compartilhar com vocês meus amigos e também inimigos: ATUTORITARISMO DESTRÓI A INTELIGÊNCIA, APAGA A CRIATIVIDADE, INSTAURA O MEDO E INCENTIVA A COVARDIA. Ambientes opressivos geram puxa-sacos, idiotas e capachos. COMPROMETEM A ÉTICA PROFISSIONAL , destroem auto-estimas e te fazem acreditar que não existe OUTRO MUNDO. É isso que eu preciso dizer: TENTEM OLHAR ALÉM DA CORTINA DE FUMAÇA QUE COLOCARAM PERANTE SEU OLHOS, o mundo é grande, muito grande e vocês assim como eu SÃO CAPAZES. O CAPITALISMO JÁ PODE SER CIVILIZADO.
Quanto a mim, fechei agora, como disse no início, esse ciclo de mudanças. Ainda faltava passar a régua e fechar a conta. Acabei de fazer isso. Um beijo a todos aqueles que se importaram e torceram por mim. Entendo o silêncio público de vocês, sei que não podem se manifestar. JÁ A MINHA VOZ, NÃO TENTEM MAIS CALAR.

Alessandra Valério
14/09/2012
Agora com 32 anos e muita vida pela frente.

QUANTOS LIVROS CABEM EM UMA VIDA?




Dizem que apreender uma vida como uma sucessão de fatos ordenados linearmente no tempo e encadeados logicamente, numa infinita causalidade, é uma ilusão. Chama-se Ilusão Biográfica, título de um livro do sociólogo francês Bourdieu. Consiste, basicamente, em compreendermos nossas vidas como uma história, com início, meio e fim. Uma narrativa em que somos os protagonistas e tudo o que acontece tem uma razão de ser. A vida como história não passaria de uma fantasia, uma tentativa de atribuirmos sentido ao caótico fluxo descontínuo do universo. Por isso quero fugir aqui daquela lenga-lenga de “minha vida dá um livro” ou a “história da minha vida” e optar por contar “ a história ou as histórias NA minha vida” e de como me tornei um TEXTO. Um texto hermético e intrincado para mim mesma. Para conseguir lê-lo procurei ajuda. A intérprete de textos vivos me perguntou até que ponto eu distinguia FICÇÃO e REALIDADE. Acho que nunca o fiz. De qualquer forma, resolvi inventariar os meus mais recônditos encontros com a literatura a fim de saber quantos livros podem caber em uma vida.
Sempre fui leitora, mesmo sem saber ler. Minhas mais remotas memórias de infância me lançam sempre em frente a um livro que eu lia, ainda que sem dominar o código. Fazia aquele jogo performático, tão comum nas crianças, de folhear o livro e contar uma história em voz alta, a partir das figuras ali presentes, com o dedinho deslizando pelas frases, acariciando as palavras. Realizava verdadeiros saraus de leitura imaginária. Não sei bem quando a minha ficção se tornou realidade. Talvez entre os 4 ou 5 anos de idade. Só sei que ela perdeu parte do encanto. As histórias que eu criava no meu teatro literário pareciam infinitamente mais interessantes que aquelas que eu era obrigada a ler no início da alfabetização. “Paulo pescou o peixe. O peixe era preto.” Aquilo era muito chato. E eu logo descambava para o meu refúgio imaginário: o peixe virava sereia, o homem virava um príncipe ou coisa parecida. A professora dizia que eu era distraída e vivia no “mundo da Lua”. Não era da Lua, era dos livros. Dos livros de verdade, vim saber depois.
Quando me livrei dos insuportáveis exercícios silábicos e consegui minha independência literária, fui muito feliz. Já podia ir à biblioteca e escolher o livro que quisesse, pela capa, pelo cheiro, pela textura, pelas figuras coloridas. O portal mágico, antes fechado, voltou a se abrir. Uma nova relação se nasceu entre mim e os livros. Agora mais madura: estava disposta a ouvir o que eles tinham a me dizer. Não lhes imporia mais a minha versão dos fatos. Mas me tornei possessiva. Passei a me apropriar das histórias, devorá-las e fazê-las minhas. Minhas Histórias. Antropofagia mesmo. Misturava os tempos e espaços, autor, narrador e personagens. Criei um imenso mosaico polifônico dentro de mim. E assim a literatura e a vida se tornaram uma coisa só. Ler era a minha forma de decifrar o mundo e, principalmente, de desconfiar da realidade. Sim, desconfiar mesmo, passei a ver sentidos latentes em tudo e logo saí da leitura das linhas para a leitura das entrelinhas, das lacunas, dos não-ditos, dos interditos mais depois.
Lembro-me de que um dos primeiros livros que me levaram a esse extenuante exercício de questionamento da ordem, que eu faria a vida inteira, foi o fabuloso
MARIA-VAI-COM-AS-OUTRAS da Sylvia Orthof. Eu tinha só 6 anos e estava encantada com aquela ovelhinha subversiva que decidira não mais fazer o que não queria, só porque todo mundo queria que ela fizesse. E a ovelha Maria se juntou à lesma Lúcia de LÚCIA JÁ-VOU-IIIIIIINDO, da mesma autora, e as duas bagunçaram tudo o que as princesas dos contos de fadas haviam arrumado. A Sylvia Orthof também foi responsável por certo estresse da minha mãe quando eu li TERESA MANIA-DE-LIMPEZA e passei a identificá-la com minha progenitora. Intuitivamente, também associei o trabalho doméstico à alienação feminina e me recusei veementemente a aprender qualquer coisa desse ofício. Não aprendi a passar, cozinhar e a limpar. Até hoje sei apenas me virar e nunca agradei sogra nenhuma. Eu era Maria, Lúcia mas não seria Teresa e definitivamente não fui. Mais tarde, Simone Beauvoir e o SEGUNDO SEXO matariam Teresa de vez dentro mim. Isso me trariam conflitos sérios com a família mineira-machista-patriarcal-tradicional do meu primeiro marido e comprometeria para sempre meu tão fragilizado instinto materno.
E foi isso ou uma incipiente sensibilidade estética que me levaram a abandonar a leitura de POLYANA MENINA e POLYANA MOÇA na página três. Apesar da perseverante presença dos livros nas listas de leitura obrigatória do Colégio La Salle, instituição catolicíssima em que estudei. No lugar da cartilha da boa moça, optei por CHRISTIANE F. 13 ANOS, DROGADA E PROSTITUÍDA. Eu tinha 13 anos e a imagem da garota desmaiada em um fétido banheiro público de Berlim com uma seringa de heroína cravada no braço foi uma experiência tão devastadora que por si só já foi suficiente para sanar qualquer curiosidade que eu poderia ter tido, em relação às drogas, durante toda a minha adolescência e juventude. Levei muito tempo para superar o CHRISTIANE F. Li e reli várias vezes, muitas delas ao som do Legião Urbana, Guns ou Nirvana, até conseguir digeri-lo por completo. Posso dizer que foi assim que resolvi a questão das drogas na minha vida. Nunca mais precisei procurá-las.


E se meus heróis morreram de overdose, também descobri pouco depois que meus inimigos estavam no poder. E que pior que os dilemas adolescentes eram as injustiças sociais. Foi quando me apaixonei pelo professor de História cuja inteligência e criticidade me fascinaram. Assim como até hoje me fascinam. Lia todas as suas indicações, começando por ANOS REBELDES, ANOS DOURADOS e passando pelo fatídico BRASIL NUNCA MAIS. Como eu queria ter lutado contra a Ditadura! Jorge Amado entrou nessa fase com CAPITÃES DA AREIA e logo eu mergulhava de cabeça em SUOR, CACAU e GABRIELA. Completei o rol das leituras engajadas com Érico Veríssimo e INCIDENTE EM ANTARES e depois com o fantástico TAMBORES SILENCIOSOS de Josué Guimarães. Eu sonhava um sonho passado: queria uma causa, uma Revolução que já não era mais possível. Eu havia chegado tarde demais para a festa. Era o final dos anos 90. Não havia mais causas para lutar, os tempos eram de tédio absoluto. Kurt Cobain se suicidara de tédio. Renato Russo morreria logo depois. O país conhecia a euforia neoliberal de FHC e ninguém mais brigava por nada. Privatizava-se tudo, era um grande comércio. Axé, Samba, Mamonas Assassinas e crediário em até 12 vezes. Canalizei minha inconformidade para as minhas redações e passei a questionar a escola, os professores e meu pai. Toda forma de autoridade merecia a minha desconfiança. Chamavam-me de petulante, arrogante e insubordinada. Os colegas me achavam estranha e me ignoravam. Fiquei muito só. Vivi tantos conflitos que decidi me calar e esquecer os livros por um tempo. O alheamento foi meu único refúgio e assistir a TV foi a solução. Foi nesse momento que descobri que cada palavra engolida era multiplicada dentro de mim e aquilo que eu tentava abafar para me enquadrar voltaria depois com intensidade dobrada. E foi assim o resto da minha vida.
E vieram os garotos. Depois da leitura de FELIZ ANO VELHO de Marcelo Rubens Paiva descobri que meu primeiro namorado não gostava de meninas. Ele descobriu logo em seguida que a paixão pelo Led Zeppelin não era motivo suficiente para se estar com alguém. E veio o sexo e os livros de Rubem Fonseca se tornaram verdadeiras obsessões. A GRANDE ARTE e BUFO E SPALANZANI me mostraram que amor não é igual a tesão. Descobri que as mulheres também traem e tive certeza de que Capitu traiu Bentinho. Ele merecia ser traído. Foi aí que compreendi meu pai pela primeira vez. Sofri de hipocrisia dissimulada. Sofri de falso moralismo fétido. Sai para beber com Madame Bovary, Ana Karenina, Lady Chatterley e Lolita. Encontrei o submundo de Nelson Rodrigues. Quando a verdade do Casamento me foi apresentada, li Clarice. A Ana de AMOR me estendeu o espelho e vi uma cega mascando chicles. Não teve jeito: tudo aquilo que eu e Ana havíamos minuciosamente organizado na rotina familiar de modo a não deixar espaço para o imprevisto foi para os ares. Mas enquanto a pequena chama de Ana se apagou ao fim do dia, a minha tornou-se um vigoroso incêndio interior. Tive mil epifanias. Adélia Prado não me acalmou. E me vi em meio ao nada. Como Virgínia Woolf, coloquei todas as pedras no bolso e flertei com o precipício pela primeira vez.
Foi aí que ON THE ROAD atravessou meu caminho, percebi que era hora de buscar mais espaço para minhas angústias. Caí na estrada, doei as roupas usadas, deixei as ilusões para trás, fiz a travessia. Reencontrei o Amor e me agarrei com unhas e dentes aos versos de Vinícius “Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure.” Mas a DIVINA COMÉDIA não poderia imaginar que existiria no mundo um inferno mais dantesco. Eu o conheci de perto. Durante quatro anos tive que engolir uma a uma das minhas palavras, afogar meu senso crítico e ler o mínimo possível em nome da sobrevivência. Não, era muito pior do que o mito de Sísifo de Camus. Conheci Marques de Sade em carne e osso, senti na pele a contundência do adjetivo “sádico”. Senti-me a barata de Kafka, sem esperança de DESmetamorfose. Adoeci, vampirizada por parasitas que insistiam que eu deveria lhes devolver aquilo que nunca tiveram. E se desde O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO de Saramago, minha fé já vinha agonizando, sim a FÉ, porque o meu catolicismo havia ido embora com o Padre-Professor-de-Filosofia-Amante-da-Minha-Vizinha, a psiquiatria terminou por destruir também minhas ilusões científicas. Sem DEUS nem CIÊNCIA, a luz apagou, a festa acabou. No escuro, encarei a face demoníaca da morte pela segunda vez. Deixei a divagação de Hamlet e optei pelo OU NÃO SER da Ofélia.

Ainda não encontrei A TERCEIRA MARGEM DO RIO. Talvez nunca a encontre. Estou navegando no momento e não quero saber aonde isso tudo vai parar. Estou feliz assim.

O QUE VOCÊ DIRIA AO SEU MELHOR AMIGO SE ELE ESTIVESSE DECIDIDO A ABRIR MÃO DA SUA PRÓPRIA VIDA?


A primeira causa de morte por atos de violência no mundo não são os acidentes de trânsito, os homicídios nem os conflitos armados, mas o suicídio (CRHISTANTE, 2010, p 33). Esses dados intrigantes foram revelados em outubro de 2002, em Bruxelas, num encontro da Organização Mundial de Saúde (OMS) para divulgar as conclusões do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. Guy Verhofstadt, então ministro da Bélgica, ao expô-las (aparentemente pela primeira vez) na cerimônia, não conteve o susto e, abandonando a formalidade, indagou perplexo: “É isso mesmo?”.
A incredulidade e embaraço do ministro belga diante da insurgência de um tema que perambula na invisibilidade social e, amiúde, transgride os limites do silêncio que lhe é imposto compõe o quadro temático do romance O céu dos suicidas (2012) de Ricardo Lísias. Nessa obra com traços autobiográficos, Lísias (2012) empresta seu nome ao narrador da trama que deambula pelo romance numa ansiedade agônica deflagrada pelo suicídio de seu melhor amigo André. Trata-se de uma perda não fictícia, correspondente ao trauma real vivido pelo autor quando perdeu seu colega de faculdade em uma morte autoinflingida e anunciada, em 2008.


Sob a roupagem de um perito em coleções e antigo colecionador, o narrador mortificado pela culpa de não ter percebido os sinais evidentes do destino do amigo e, portanto, ter lhe negado a ajuda necessária, afunda-se numa crise existencial que o arrasta ao terreno oscilante da experiência limítrofe entre a loucura e razão. Meticuloso e autocontido, o colecionador, catalogador e ordenador obstinado de relíquias choca-se com a irredutibilidade da morte e se desestrutura por completo: “Nunca tinha gritado tanto. Trato os meus problemas em silêncio. Eu os organizo e reorganizo na cabeça como se fosse uma coleção, até solucioná-los” (LÍSIAS, 2012, p. 23). Para quem superestima o controle, o encontro com o inexorável pode assemelhar-se a ânsia do abismo. Despossuído de si, o narrador aborda o universo complexo do suicídio por meio da uma pergunta que o tortura: Os suicidas vão para o céu?
Mesmo desprendido de valores religiosos, Lísias persegue essa questão aflitiva em uma tentativa desesperada de elaborar o luto pela morte de André, de expiar a culpa e de retomar o controle de si. Contudo, os encontros com sacerdotes e representantes de diferentes segmentos religiosos, a quem o narrador dirige sua angústia, apenas reforçam o preconceito e o silêncio a que estão condenados aqueles que decidem dar cabo da própria vida. Sem a resposta que procura e à beira de um colapso, o narrador perambula pelas ruas e praças, bradando impropérios, inteiramente descontrolado. Todavia, quanto mais grita, em meio à multidão, menos é ouvido. Sua dor passa despercebida, seu desespero é, completamente, ignorado. Ele é submetido à dolente invisibilidade daqueles que sofrem as dores da alma, a mesma condição fantasmagórica pela qual André passara antes de se enforcar: “Tenho feito descobertas: quando a gente grita na rua, ninguém repara.” (LÍSIAS, 2012, p. 45)
Perplexo com a apatia das pessoas e com sua própria insensibilidade diante da condição humana do outro, Lísias percorre os espaços da exclusão: as clínicas psiquiátricas em que André havia se internado ao longo dos anos. Refazer a trajetória do amigo era uma forma de compreender como aquele processo medonho da desestruturação psíquica era silenciado e solenemente abafado pelo fluxo intermitente da vida cotidiana. O tabu em torno do suicídio impede o narrador de lidar com naturalidade com a questão do luto e reforça sua culpa diante do ocorrido. Sufocado por esse sentimento que o impede de respirar, ele acaba por descarregar a tensão em surtos de agressividade gratuita direcionada à família, aos amigos e a desconhecidos.
O céu dos suicidas (2012) de Lísias é um dos poucos romances contemporâneos que ousam tocar nesta ferida: a morte de si. Há tempos escritores dedicam seus escritos à morte e a violência e demais vicissitudes humanas e, mesmo havendo uma considerável porção de obras em que o suicídio aparece como meio de dar fim a este ou aquele personagem, mas são poucas as que o tem como protagonista. A ausência do tema no escopo literário sugere a dificuldade de se lidar com um assunto tão espinhoso concomitantemente tão desafiante, como elucida Vincent (1999, p.345) “ O suicida pode ser tido como desafiante absoluto. Desafio aos vivos por recusar uma existência que ele julga insatisfatória ou intolerável. [...] Desafio a Deus, já que nega sua própria Criação”.
Todavia, o romance não tenta indicar quais caminhos labirínticos levaram André a prescindir da própria vida. A questão central é o ponto de vista dos sobreviventes. Aqueles que tem lidar com a perda e com a culpa de não haver apreendido os sinais da morte do outro, ou tê-los percebido mas não conseguido evitar o fim. O silêncio persistente que envolve o tema, a solidão na qual estão mergulhadas as vítimas, familiares e amigos do suicida.
Segundo Antonio Candido (2004), toda obra de arte é um diálogo aberto estabelecido entre a subjetividade de um autor e as condições sociais e naturais da época e local na qual é produzida. Portanto, os elementos externos agem de tal forma sobre a obra artística que acabam exercendo importante papel na constituição da estrutura, consequentemente esses tornam-se elementos internos dessa mesma obra. Baseando-se nisso, o objetivo deste estudo é analisar o modo como o romance de Lísias (2012) mimetiza o invólucro de preconceito que cerca a desafiante questão do suicídio e, ao mesmo tempo, observar como a obra literária, em sua constituição, responde a esse desafio social contemporâneo.

RE... PARTIDA


CRÔNICA DA DESPEDIDA ANUNCIADA


O porta-malas aberto do carro, recoberto com os últimos objetos que ela desordenadamente depositava ali. Sem ordem, sem logística, sem organização como sua própria trajetória. Até poderiam caber os anais de eventos se realocasse as malas um pouco para direita e a coleção de revistas Bravo um pouco mais ao fundo. Mas quem precisa de anais de evento? Quem precisa, nesta situação, de um periódico que goza de um nome tão pejorativo. Depois, hoje já se encontram todos disponíveis na internet. Tudo se encontra na internet, no Google, a um clique de distância. Lembrou-se com um pouco de nostalgia irônica da aula de metodologia de pesquisa do Doutorado em que a professora decidira ensinar-lhes a pesquisar artigos em periódicos na rede. Ela, a professora, aprendera bastante naquele dia.. A reminiscência divertida desanuviou um pouco a tensão daquele momento, mas logo a lembrança da missão a que se lançava voltou a turvar-lhe a vista. Tudo se encontra na internet hoje. Menos as repostas que ela precisava encontrar. O Google Earth não dizia nada a respeito dos mapas da sua estrada.
Os anais ficarão. Decidiu. Os últimos tempos foram marcados por esse movimento sinuoso: decidir o que levar consigo, o que deixar pra trás, às margens do caminho. Uma travessia sempre exige escolhas árduas, decisões vacilantes, mesmo para uma errante como ela . A própria escolha pela travessia é uma opção que já de imediato implica exclusões. Ela as fazia conscientemente em alguns momentos, em outros por pura intuição e em outros como simples apostas. Definitivamente não há como prever todas as rotas que deverão ser percorridas. Mas ela sabia que ainda estava longe da estação final.Teve essa certeza meses antes quando tentara abreviar o caminho: não se é assim tão dono da própria existência.
O último olhar pela casa vazia somente reforçou o sentimento que mais tivera naquele ambiente – desconforto. Uma ponta de tristeza e nostalgia, que sempre está presente nas despedidas e nos rituais de passagem, invadiu-a por um instante. Imagens fragmentadas de uma felicidade forjada passaram de súbito pela consciência. Não. Definitivamente não fora feliz ali, por mais que tivesse tentado. Tudo aquilo lhe parecia agora tão desprovido de sentido, tão ausente de razão. Trancou a porta e suspendeu o pensamento.
O porta-malas ainda continuava aberto e ela olhou-o novamente. Deveria mesmo deixar os anais? No fundo gostava desses estados de desestabilização que podem levar à sensação agônica de abismo mas que também possibilitam descortinar as mais belas paisagens do caminho. Lembrou-se de que há quatro anos realizava o mesmo procedimento. Enchia o carro de tralhas, o coração de possibilidades e se lançava à sorte de um destino desconhecido, munida apenas de coragem. A diferença é que agora não ia só. Levava consigo alguém que aprendeu a amar e com quem conseguiu repartir os sonhos e também o inconformismo, a insubmissão e o gosto por aquela liberdade de quem não tem nada a perder. Nesse momento, o medo revolveu seu estômago, uma vertigem lhe subiu pela garganta e ela recostou-se na parede da garagem.
Ela não estava sozinha. Ela tinha alguém a quem amava. Antes se jogava sem melindres aos golpes do destino, às reviravoltas da vida, somente ela poderia perder... somente ela poderia ganhar nesse jogo solitário. E agora? Transmitira a alguém esse gosto pelo risco, esse prazer que é enfrentar o inexorável, se lançar ao vento de olhos fechados, mesmo sabendo o quanto isso pode machucar. Agora era tarde para voltar atrás. Era exatamente isso que ele buscava nela: a coragem que ele não tinha e que tanto lhe faltava. Toda relação é uma troca, ela possuía o ímpeto, ele a força. Ela havia entrado em sua vida para lhe oferecer a insensatez necessária ao desequilíbrio que ele tanto almejava para sair do lugar. Ele lhe propunha o desafio de se olhar no espelho, de lidar com uma imagem invertida de si mesma e também de reconfigurar suas incertezas mais certas. Se encontraram há quatro anos, quando ela queria o chão e ele queria o vento. Juntos optaram pela síntese. Sofreram, como sofrem todos aqueles que sonham com um meio-termo, com o equilíbrio. Mas conseguiram sintonizar o olhar ao longo da mesma estrada.
Essa lembrança a acalmou. Sorriu. Fechou o porta-malas. Os anais ficariam. Junto deles todos os fracassos de estabelecer uma relação sadia com aquele lugar. Todas as lágrimas, todos os cortes, todo o sangue. Que fiquem aqui! Fiquem com os donos daquele feudo e com aqueles que tanto queriam ver as suas feridas. Os mesmos que exibem orgulhosamente os seus grilhões como prêmios pela covardia que alimentam. Os que prestam vassalagem torpe ao dinheiro. Não levaria consigo os sorrisos falsos, a hipocrisia sarnenta que empesteava aquele ambiente, a moral ambígua e pestilenta dos seres com os quais fora obrigada a conviver durante aqueles anos. Respirou aliviada. Estavam certos eles, esse lugar não era para ela, menos ainda para quem ela amava. Tudo aquilo ficaria à margem, porque eram margem... resto...pedras imóveis que se refestelam com a brisa provocada pelo movimento de quem passa, de quem ousa sonhar . Sombras.. eram agora apenas sombras.
Entrou no carro, girou a chave e virou a página. Ele a esperava para outro capítulo.

Tese ou tesão???

UMA TESE É UMA TESE MARIO PRATA Sabe tese, de faculdade? Aquela que defendem? Com unhas e dentes? É dessa tese que eu estou falando. Você deve conhecer pelo menos uma pessoa que já defendeu uma tese. Ou esteja defendendo. Sim, uma tese é defendida. Ela é feita para ser atacada pela banca, que são aquelas pessoas que gostam de botar banca. As teses são todas maravilhosas. Em tese. Você acompanha uma pessoa meses, anos, séculos, defendendo uma tese. Palpitantes assuntos. Tem tese que não acaba nunca, que acompanha o elemento para a velhice. Tem até teses pós-morte. O mais interessante na tese é que, quando nos contam, são maravilhosas, intrigantes. A gente fica curiosa, acompanha o sofrimento do autor, anos a fio. Aí ele publica, te dá uma cópia e é sempre - sempre - uma decepção. Em tese. Impossível ler uma tese de cabo a rabo. São chatíssimas. É uma pena que as teses sejam escritas apenas para o julgamento da banca circunspecta, sisuda e compenetrada em si mesma. E nós? Sim, porque os assuntos, já disse, são maravilhosos, cativantes, as pessoas são inteligentíssimas. Temas do arco-da-velha. Mas toda tese fica no rodapé da história. Pra que tanto sic e tanto apud? Sic me lembra o Pasquim e apud não parece candidato do PFL para vereador? Apud Neto. Escrever uma tese é quase um voto de pobreza que a pessoa se autodecreta. O mundo pára, o dinheiro entra apertado, os filhos são abandonados, o marido que se vire. Estou acabando a tese. Essa frase significa que a pessoa vai sair do mundo. Não por alguns dias, mas anos. Tem gente que nunca mais volta. E, depois de terminada a tese, tem a revisão da tese, depois tem a defesa da tese. E, depois da defesa, tem a publicação. E, é claro, intelectual que se preze, logo em seguida embarca noutra tese. São os profissionais, em tese. O pior é quando convidam a gente para assistir à defesa. Meu Deus, que sono. Não em tese, na prática mesmo. Orientados e orientandos (que nomes atuais!) são unânimes em afirmar que toda tese tem de ser - tem de ser! - daquele jeito. É pra não entender, mesmo. Tem de ser formatada assim. Que na Sorbonne é assim, que em Coimbra também. Na Sorbonne, desde 1257. Em Coimbra, mais moderna, desde 1290. Em tese (e na prática) são 700 anos de muita tese e pouca prática. Acho que, nas teses, tinha de ter uma norma em que, além da tese, o elemento teria de fazer também uma tesão (tese grande). Ou seja, uma versão para nós, pobres teóricos ignorantes que não votamos no Apud Neto. Ou seja, o elemento (ou a elementa) passa a vida a estudar um assunto que nos interessa e nada. Pra quê? Pra virar mestre, doutor? E daí? Se ele estudou tanto aquilo, acho impossível que ele não queira que a gente saiba a que conclusões chegou. Mas jamais saberemos onde fica o bicho da goiaba quando não é tempo de goiaba. No bolso do Apud Neto? Tem gente que vai para os Estados Unidos, para a Europa, para terminar a tese. Vão lá nas fontes. Descobrem maravilhas. E a gente não fica sabendo de nada. Só aqueles sisudos da banca. E o cara dá logo um dez com louvor. Louvor para quem? Que exaltação, que encômio é isso? E tem mais: as bolsas para os que defendem as teses são uma pobreza. Tem viagens, compra de livros caros, horas na Internet da vida, separações, pensão para os filhos que a mulher levou embora. É, defender uma tese é mesmo um voto de pobreza, já diria São Francisco de Assis. Em tese. Tenho um casal de amigos que há uns dez anos prepara suas teses. Cada um, uma. Dia desses a filha, de 10 anos, no café da manhã, ameaçou: - Não vou mais estudar! Não vou mais na escola. Os dois pararam - momentaneamente - de pensar nas teses. - O quê? Pirou? - Quero estudar mais, não. Olha vocês dois. Não fazem mais nada na vida. É só a tese, a tese, a tese. Não pode comprar bicicleta por causa da tese. A gente não pode ir para a praia por causa da tese. Tudo é pra quando acabar a tese. Até trocar o pano do sofá. Se eu estudar vou acabar numa tese. Quero estudar mais, não. Não me deixam nem mexer mais no computador. Vocês acham mesmo que eu vou deletar a tese de vocês? Pensando bem, até que não é uma má idéia! Quando é que alguém vai ter a prática idéia de escrever uma tese sobre a tese? Ou uma outra sobre a vida nos rodapés da história? Acho que seria um tesão.

O direito à dor



Quando abri os olhos, apenas reflexos esparsos de uma luz fria e ao longe o som do atrito metálico de alguns objetos. O odor misturava  álcool, éter  e sangue. “Não é possível! Mais uma vez... não deu certo”. Foi o primeiro pensamento que sobreveio após os lampejos da minha consciência me indicarem que aquilo ali era um hospital. Um hospital! Inconfundivelmente um hospital! Como poderia não reconhecer este cenário com que fui brindada desde a infância? O jaleco branco do médico é minha Madeleine.
Minha mãe era enfermeira na cidade pequena em que nasci. Trabalhava em um hospital de médio porte. Cresci  sentindo o perfume da dor do outros. Esparadrapos, gazes e seringas eram brinquedos para mim. Meu imaginário sempre permeado de histórias sobre febres, veias, cortes, feridas, pus, morte e solidão. Minha mãe falava muito sobre o abandono e a tristeza que era morrer sozinho. Apodrecendo numa cama, sendo tomado por feridas e mágoas diante do silêncio constrangido de parentes que rareavam as visitas a cada dia.  Enojavam-se diante do moribundo e procuravam aliviar ao máximo as suas culpas nas visitinhas ao estilo “pra não dizer que não falei das flores”, laxante de consciência. “Não é fácil ser um moribundo” dizia minha mãe. “Quero morrer sem dar trabalho, como sua avó”, emendava melancólica e resignada.
Minha vó materna morrera antes de eu nascer. Foi parada cardíaca, segundo minha mãe, dormiu e não amanheceu. O rosto sereno sugerira a ela a placidez de uma morte calma, daqueles que saem à francesa, elegantemente, sem deixar rastros. Ao contrário de meu avô, que carcomido pelo câncer e pelos pecados, gemeu e agonizou até o último suplicante suspiro de seu pulmão canceroso. Morreu fedendo. Sua partida empesteou o ambiente assim como sua vida contaminou a alma daqueles que com ele foram obrigados a conviver. Tenho muitas contas a acertar com esse velho descendente de nazistas!
Não conheci, portanto, meus avós maternos. Embora carregue um pouco de suas maldições hereditárias entranhadas no meu DNA, assim como herdei também da minha mãe  a melancolia, a solidão e a intimidade com a morte.
_  Oi, oi está me ouvindo? Fala comigo! Você me ouve?
O zunido foi se tornando mais nítido e distingui a voz do médico avisando que atravessaria uma maldita cânula pela minha garganta até o estômago. Os contornos opacos e indefinidos sugeriam um pronto socorro. Eu saberia diferenciar um pronto socorro de qualquer outra parte de um hospital. Não só porque cresci em um hospital e frequentei vários em diferentes momentos da minha vida, mas porque o ritmo ansioso, a falta de paciência e o mau humor de médicos de final de plantão são inconfundíveis em um pronto socorro. Já vivera essa parte outras vezes. Resolvi fechar os olhos e tentar entender como foi que viera parar ali novamente. Minha mente embaralhada acionou uma sucessão de eventos indistintos, minha mãe, minha vó e sua morte linda... o sangue na escada... as vozes...você tem que ser mais forte... mais forte... aqui não há espaço para fracos... não há lugar para você... você nunca termina... você nunca conclui nada... você foge... foge... não adianta se esconder...  não adianta chorar...
- Feliz aniversário, meu amor!
Abri os olhos esperando encontrar o rosto carinhoso de minha mãe.  A doçura daqueles olhos verdes que escondiam um labirinto, a proteção daquele abraço quente que espantava os fantasmas da noite e me convidava a viver e a respirar o dia brilhante. Aquele bolo caseiro confeitado, desajeitadamente, o guaraná no copo. Aquele dia especial, em que eu era maior e o mundo insignificante. A frase “Há... anos você estava na minha barriga... eu escutava Orlando Moraes e imaginava como você seria...”
- Feliz aniversário... abro os olhos novamente e vejo as lágrimas transbordando dos olhos verdes... mas era o Edu e eu já conhecia aquele olhar. Era meu aniversário... Eram trinta anos. Era mais do mesmo...  a sobrevivência me impunha a dor outra vez. Agora tudo se movia ao meu redor... estava sendo retirada dali. Quando uma voz interrompe o processo em curso...
- Feliz aniversário... quando estiver melhor vou te levar à oncologia para você descobrir o que é dor.
Era o médico.